"O maior prazer de um homem inteligente é bancar o idiota diante de um idiota que banca o inteligente"
Confucio
Confucio
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
Lua Cheia
Ela esperou. Pacientemente. Quando teve certeza de que os pais estavam dormindo, saiu. Desceu as escadas com a mochila nas costas e uma pequena bolsa. Tentou não fazer barulho. Levava apenas o necessário. Ainda descendo os degraus, olhou para a Lua através dos imensos janelões que ladeavam a escadaria. Parou por um momento. Logo estaria com ele, sob aquele luar.
Não tinha nenhuma dúvida sobre a sua decisão, se entregaria de corpo e alma, literalmente. Caminhou pela alameda escura, as árvores filtravam o brilho prateado da Lua. Estava excitada, apaixonada e, sobretudo, deslumbrada por aquele homem. Quando soube o seu segredo não sentiu medo. A princípio não acreditou, claro. Mas ele lhe provou. Rapidamente. E rogou por seu amor. Não havia como não sucumbir, dizer não àqueles olhos...
Avistou-o a alguns metros, metido num elegante casaco. Sorriu pensando em como ele era espirituoso. Parecia uma figura saída do século XIX, achou divertido.
Aproximou-se dele e emocionou-se ao ver seu rosto, pálido. Era tão lindo! Ele pegou suas mãos e as beijou com imensa ternura:
- Por toda a eternidade, minha amada...
Ela explodia de excitação, nunca imaginara poder amar tanto uma criatura. Chegava a doer olhar para ele e lágrimas rolaram pelo seu rosto. Ele as enxugou, uma a uma.
Delicadamente, segurou seu rosto entre as mãos e a beijou. A princípio, um beijo terno, mas ela logo sentiu sua língua explorando sua boca com volúpia. As mãos desceram pelo corpo e ele a apertou contra si. Ela correspondeu ao beijo, a tudo. Pareciam fundir-se. Entorpecida,
ficou completamente entregue.
Ele, então, agarrou seus cabelos e inclinou, quase violentamente, sua cabeça e teve à sua disposição, o esguio pescoço:
- Sua... eternamente...sua...
Excitadíssima, mal conseguia respirar, aguardando o êxtase prometido. Cravou-lhe os caninos no pescoço enquanto a dominava com força brutal.
Ela sentiu uma dor lancinante, insuportável. Não entendia, tentou se desvencilhar, livrar-se daquela agonia terrível. Mas era inútil, ele a prendia, a submetia.
Começou a estrebuchar, violentamente. Perdia os sentidos por alguns instantes, voltava à consciência e implorava para que aquilo acabasse logo!
Sofreu ainda por longos minutos, sendo sugada, impiedosamente.
Ele, finalmente, a largou. Tombou sem uma gota de sangue no corpo. Sem vida. E para ela não retornaria.
Tola. Eternidade é para poucos, minha cara.
Tirou um lindo lencinho bordado do bolso do casaco e limpou a boca como quem acabara de degustar um bom vinho. Gostava daquele lenço, pertencera a uma atriz decadente, que conhecera na França, no comecinho do século XIX. Ah, bons tempos aqueles...
Caminhou satisfeito pela alameda arborizada. Olhou, ainda uma vez, para trás. Ela jazia sobre o chão coberto por folhas secas de outono. Que imagem romântica... pensou. Colocou as mãos nos bolsos, inclinou a cabeça, arqueou as sobrancelhas:
- Mas o que ela pensou? Que eu fosse amá-la por toda a eternidade sob o crepúsculo?
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sábado, 18 de junho de 2011
Por uma boa causa
Entrou correndo pela rua estreita e mal iluminada. Escondeu-se atrás de uma caçamba cheia de entulhos. Não conseguia respirar direito, não só pelo esforço de estar correndo já há algum tempo, mas também pelo pavor de ser pego. Ofegante, olhou para todos os lados procurando pelas malditas câmeras. Estavam em toda parte. Trazia o pequeno pacote no bolso interno da jaqueta. Poderia livrar-se dele, deveria! Mas foi tão difícil conseguir! Arriscou-se tanto e custou tão caro! E como o queria, precisava!
Não, decididamente não iria se desfazer de seu precioso pacote. Não chegara a tanto por nada! Esperou alguns minutos no mais absoluto silêncio, os sentidos aguçados. Aparentemente, havia escapado. Observou atentamente todos os pontos onde poderiam haver câmeras de vigilância. Logo localizou duas delas. Uma não se movia, provavelmente quebrada. A outra girava lentamente, ameaçadora. Aninhou-se ainda mais entre a parede e a caçamba que estava sobre a estreita calçada. Finalmente, sentiu-se seguro.
Com as mãos trêmulas pegou o pacote, cheirou-o, ávido por abri-lo. Mas uma luz intensa o cegou, não teve tempo de assimilar o que acontecia.
Seu corpo foi despachado para a família no dia seguinte.
O policial que o matou anexou às provas, o fatídico pacote. Um saquinho de jujubas. Coloridas.
Este era o preço que pagavam aqueles que infringiam a Lei Antidoces, implantada para baratear os custos do Estado com tratamentos dentários.
Morreu com cinco balas no peito e nenhuma cárie na boca.
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ando farta de tanta patrulha.
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segunda-feira, 6 de junho de 2011
E o E.T. virou poeta...
Como a maioria dos alienígenas, eram todos absolutamente iguais. Ariovaldo não aguentava mais tanta monotonia. Não apenas a monotonia de olhar para a mesma cara todos os dias diante do espelho mas a mesmice de olhar para a mesma cara no trabalho, na escola, na balada, na vizinhança, no planeta todo! Haja imaginação para elogiar os olhos da amada, tão enormes e esbugalhados quanto todos os outros. E da mesma cor.
É, o Ariovaldo tava jururu. Sua mãe nem ligava. De tempos em tempos um desses jovens sempre questionava o porquê de serem concebidos assim, iguaizinhos. Eram assim há milênios, frutos de uma geração ideal, criada em laboratório após extensas pesquisas e experimentos genéticos. Chegaram, pois, ao apogeu de civilização. Todos iguais. Iguais, mesmo.
Ariovaldo, largadão no sofá da sala, resolveu encontrar com a galera pra animar um pouquinho. Digitou o código no seu desmaterializador de pulso e materializou-se na casa do avô...De novo!
- Você não vinha pra cá, vinha?
- Claro que vinha, vô! E aí? - disfarçando.
- Vinha nada! - resmungou o velho - Essa merda aí pifou de novo, não foi? É o que eu digo! No meu tempo não era assim. A boa e velha cabina de teletransporte é que era boa! Podia demorar dois décimos de segundo a mais mas o destino era certo! Essas invencionices...
Ariovaldo olhou pra cima louco pra sumir dali:
- Valeu vô, to indo, tenho que estudar pra uma prova aí - e se mandou pra casa.
"Entediado" - publicou no seu microblog. Suspiro.
Resolveu fazer umas visitas virtuais. Deu uma espiadinha nos severianos, habitantes do planeta vizinho. Que sorte tinham! Seus olhos tinham cores diferentes, variavam do amarelo ao mostarda. Entrou, bateu um papinho com o Fernandinho, seu amigo inter cambista de idos tempos. Saiu, tédio de novo. Então, viu lá no menu de opções um planetinha azul, recém descoberto, que ninguém dava bola`. Pensou o quê poderia ter de interessante num lugar tão pequeno e distante. Os Senhores diziam que fazia parte dos planetas nanicos. Em tamanho e civilidade. E que não valeria à pena conhecê-lo. Logo o deletariam, aliás...
Resolveu xeretar. Se fosse legal entraria pra conhecer o pessoal.
Mas às primeiras imagens que surgiram em frações de segundos,
Ariovaldo esbugalhou ainda mais os olhos! O que era aquilo? Um verde interminável, ponteado de um colorido impressionante com criaturas voando, ainda mais coloridas e emitindo um som maravilhoso. Seu coração começou a bater mais forte. Pensou se eram esses os habitantes do planetinha, mas viu muitas outras criaturas totalmente diferentes! Cara, não acredito!
Excitadíssimo, continuou freneticamente sua exploração virtual. Viu, então, uma praia. Seu coração, aí sim, quase saiu pela boca. O que eram aquelas criaturas? Pareciam ter pernas e braços como ele. Mas eram únicas! Não havia uma sequer igual à outra. E algumas delas, caramba! .Algumas eram lindas, com umas curvas, uma cor dourada. O Ariovaldo pirou o cabeção!
Tomou coragem e entrou. Seu materializador o deixou invisível por questão de segurança. Caminhou completamente pasmo entre aqueles seres absolutamente incríveis. Não cansava de se maravilhar, quase bateu o cabeção num poste, extasiado com uma morena escultural. Em que ano estelar estaria? Perguntou ao XPO, seu tradutor universal de pulso. No calendário local você está em 1962, disse o XPO, e esse lugar aí é uma tal de "Praia de Ipanema".
Ipanema, murmurou suspirando o Ariovaldo, que também estava inaudível. Resolveu se enturmar. Ainda bem que tinha aquele opcional no XPO para assumir a forma dos habitantes dos locais visitados. Custou uma puta grana mas finalmente ia valer à pena.
Transformou-se num garotão de bermuda e camisa florida. O XPO disse que era o disfarce perfeito.
Viu um sujeito simpático, sozinho, numa mesa de bar. Pediu para o XPO traduzir os caracteres escritos na fachada. "Bar Veloso".
Entrou e sentou-se abruptamente à frente do homem e disse, mecanicamente:
- Oi, eu sou Ariovaldo!
O homem, no início um pouco assustado, acabou rindo e respondeu no mesmo tom:
- E eu sou Vinícius!
- Vinícius! E aí, véio? - com o sorriso mais idiota do mundo.
- Você é paulista, né? - disse o homem com cara de piedade.
O Ariovaldo achou melhor não contrariar:
- Ah, claro!
- Logo vi...
O Ariovaldo ficou horas conversando com o sujeito simpático que, de vez em quando, fazia aquela cara de piedade quando olhava pra ele. Ficou encantado com as histórias que o homem, pacientemente, lhe contava sobre aquela praia, aquela cidade que ele chamava Maravilhosa.
- Menino, parece até que você veio de outro planeta! O Rio é a Cidade Maravilhosa!
- Maravilhosa é pouco - disse o Ariovaldo olhando pra uma garota em um duas-peças que passava lá na calçada.
- É garoto, beleza é fundamental.
Ariovaldo lhe contou sobre a Lindalva, sua namorada. Disse-lhe que gostava dela mas que a parada tava meio devagar, quase parando. O tal Vinícius, então, lhe deu uma aula de sedução e poesia. Falou da paixão e de sua devoção às mulheres. Ariovaldo ouvia e se extasiava, nunca havia se sentido assim. Que lugar era aquele?
Estava super empolgado com a conversa quando viu uma criatura que lhe pareceu etérea. Linda! Aquilo que pendia de sua cabecinha, e que descobriu chamar-se cabelo, brilhava sob o sol, balançando ao balanço do andar. Era toda beleza e encanto. Coisa mais linda, mais cheia de graça…
Ariovaldo, emudecido e arregalado, só faltou começar a babar. O poeta, intrigado, olhou na mesma direção que ele:
- Rapaz, que coisa mais linda! Como é que nunca reparei nela? - e voltando-se para Ariovaldo - Faz dela a tua musa.
- Hein? - ainda abobado - musa?
Mas aí Ariovaldo sentiu uma súbita e deliciosa saudade da Lindalva. Despediu-se do poeta com um caloroso abraço. E resolveu ir direto pra casa dela.
Surpreendeu-a em seu quarto. Ela estava na varanda, olhando as luas gêmeas. Virou-se para ele e fitou-o com ternura, sorrindo. Ele, então, percebeu que aquele par de olhos, apesar de igual a todos os outros, era único...
E lá naquele distante planetinha azul, o poeta tomava para si a musa que fora de Ariovaldo.
Imagem: Bar Veloso. Ipanema.
Fonte: Site PierdeIpanema.com
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sábado, 4 de junho de 2011
E naquele seminário de autoajuda...
- Sim, minha gente! O nosso destino, nós traçamos!! Não permitam, meus amigos, que ninguém, ninguém mesmo se interponha entre vocês e seus sonhos!! Obrigado, obrigado!! A senhora de vermelho, aí na segunda fila…Sim, a senhora (tão simpática!) Qual o seu nome, minha senhora?
- Ah…Cotinha…
- Dona Cotinha! Que simpatia!
-…brigada…
- Dona Cotinha, responda sinceramente. Quem controla a sua vida?
- Bom, meu filho, depois de oito partos naturais, é a minha bexiga mesmo...
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sexta-feira, 27 de maio de 2011
Segredos...
Tem coisa que não dá pra contar
Pra mãe da gente.
Mas tem coisa, que a gente só pode contar
Pra mãe da gente.
Mas a gente só descobre isso
Depois que a mãe da gente
Não está mais
…perto da gente.
Imagem: Parque Nacional de Pilanesberg. África do Sul.
Fotografia de GABRIELA STEBLER. (fonte:Blog Alma Apaixonada)
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sexta-feira, 6 de maio de 2011
domingo, 3 de abril de 2011
Piu-piu sem Frajola!
"avião sem asa,fogueira sem brasa
sou eu assim,sem você
futebol sem bola,
Piu-piu sem Frajola
sou eu assim sem você"*
Ah, meu amor, sem você
Também sou Piu-piu sem Frajola
O Tom sem o Jerry
Pernalonga sem Patolino
Lilica sem o Perninha
O Leão sem o Hardy
O Lobo sem Chapéuzinho...
Sem você sou
O Cérebro sem Pink
O Dexter sem a Didi
O Cosmo sem a Wanda
Johnny Bravo sem a Mama
O Frango sem a Vaca!
Sem você
Sou o Batman sem o Robin
Super-Homem sem a Lois
Homem Aranha sem a...roupitcha!
Sou o Popeye sem espinafre
Mickey sem a Minnie....
...e sem o Pateta!
Sou Tio Patinhas sem a primeira moedinha
Madame Mim sem caldeirão!!
Ah, meu amor, sem você
Sou praia sem Sol
Goiaba sem gosto
Rio sem peixe
Jardim sem flor!
Falando sério, meu amor
Sem você
Sou muito sem graça....
*"Fico Assim Sem Você"
Composição: Abdulah/Cacá Moraes
Na voz de Adriana Calcanhotto
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quarta-feira, 16 de março de 2011
Situando
- Eu to preocupada com você, a gente precisa conversar. Você não faz mais nada do que gostava, não cumpre direito com suas obrigações. Nem sai mais com seus amigos! Olha, eu não queria te falar mas você ta engordando! Ta, sim! E pensar que antes a gente precisava te amarrar em casa! Você vivia no shopping, lembra? Agora fica aí, grudada nessa cadeira! Você vai ter que estabelecer horários. Não adianta fazer cara feia! A que horas você foi dormir ontem?? “Hoje”, aliás.... Três, quatro da manhã?? Acha que isso é vida? Sinto muito, mas você ta viciada! Sai da Internet, mãe!!!
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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Autoestima
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Ah, então é por isso!!
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Bolo de Fubá e Chuchu
Dei uma última olhada na geladeira à procura de mais alguma coisa que pudesse levar para ela. Vi um saquinho com alguns chuchus e o acrescentei à sacola. Afinal, em casa ninguém gostava muito de chuchu, coisinha sem graça!
Sempre visitava minha tia Maria aos domingos. Cozinheira de mão cheia, dona de uma criatividade impressionante. Tirava de leite de pedra, como dizia minha mãe.
A casa da minha tia parecia um sítio. Com um quintal espaçoso, tinha até uma cabra! Munida de minha máquina fotográfica tirei muitas fotos de cachos de bananas, abóboras gigantescas, galinhas d'angola e, é claro, da cabra! Gostava de explorar ângulos inusitados, detalhes de flores. Eu me divertia muito no imenso quintal mas a melhor parte do dia era saborear os quitutes da tia Maria. Café fresco passado no coador de pano, sem dúvida! Minha grande paixão era o seu bolo de fubá com erva-doce. O aroma que se desprendia da cozinha enquanto ele assava,jamais esqueci! Já preparei esse bolo inúmeras vezes mas nunca ficou igual ao dela.
Ela o fazia numa forma retangular, quando o tirava do forno cobria com uma toalha branca e punha para descansar sobre o guarda-comidas. E o servia na própria assadeira, sem luxo nenhum.
No dia em que levei os chuchus para ela, o bolo já estava pronto. Fui, como sempre, para o quintal à caça de novidades. Passado algum tempo ela me chamou da porta da cozinha. Oba! Hora do bolo!!
Sentei-me à mesa onde já estavam minha mãe, minha avó e uma vizinha. Minha tia, então, me serviu uma porção de doce cremoso de coco. Uma delícia! Fui logo pedindo a receita. Nossa, tia, me ensina a fazer. Adoro doce de coco!
Ela me olhou com aqueles olhinhos espertos:
- Que coco? Isso aí é o chuchu!!
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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
A Fúria de Pingo!
Sessenta centímetros de efervescência. É a melhor definição para o Pingo. O cachorro da minha vizinha.
O bicho late. Late,late,late e late!
E pula no portão, na grade, na parede, na perna!
O Pingo parece estar possuído pelo espírito de porco as vinte e quatro horas do dia.
A sua dona o solta duas ou três vezes por dia, na sua varanda. Eu, no apartamento de cima, me divirto com as peripécias do nanico.
Eu moro no segundo andar e o Pingo, logicamente, no primeiro. E ele fica alucinado com cada ser vivente que passa pela calçada. E com os não viventes, também. Sacos de plástico voando propiciam um espetáculo à parte.
Desconfio que o Pingo sofre de algum tipo de transtorno mental. Déficit de atenção, hiperatividade, ração estragada…
O fato é que o Pingo não é um cachorro comum. Ele – nunca – para.
Outro dia a sua dona mandou pintar as paredes da varanda de branco. Eu fico me perguntando o que leva uma pessoa a tal grau de masoquismo. Aquela alvura toda não durou dez segundos. Vinte, vá!
Lá, já estão carimbadas centenas, milhares de patinhas de um certo cãozinho que não compreende limites geográficos.
Eu também desconfio que o faro do Pingo não sejá lá grande coisa. Às vezes, estou refestelada na minha rede e ele não me percebe. Então, por um descuido inocente, ponho um pezinho pra fora da grade. Aí, o insano me vê e começa a latir e a pular, tresloucado, tentando subir pelas paredes.
Outro dia nos encontramos, o Pingo e eu, pelos corredores do prédio. Eu sei que o espevitado já andou se estranhando, levemente, com outro vizinho. Mas nosso encontro foi bem mais agradável.
Descobri que o nanico gosta de mim. O que me deixou muito metida à besta.
Na última reunião do condomínio o síndico veio com uma conversa de proibir cachorros no prédio e colocou a questão em pauta. Eu imaginei a minha vida, tranquila, sem os latidos metálicos do Pingo. Sem aqueles barulhinhos de patinhas nervosas, logo cedo, penetrando em ondas sonoras pelas frestas da janela do meu quarto. E sem aquela algazarra infernal que ele faz toda vez que escapa pelo corredor afora.
Meu voto à sugestão do síndico foi um sonoro não!
Meu, e o da maioria.
Afinal, foi só imaginar a minha vida sem o pestinha do Pingo pra descobrir que também gosto dele. Muito!
Nota: Esse aí na foto, obviamente, não é o Pingo. Ele autorizou a publicação do texto mas exigiu anonimato.
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terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Vivendo em São Paulo
Achou que levantando-se às cinco da manhã daria tempo de chegar à empresa às nove. Não queria (nem podia!) mais chegar atrasada ao trabalho. Tomou um banho, preparou a marmita do filho mais velho e despachou o sujeito. O maridão tava no caminho faz tempo. Pegou o leite na geladeira pra preparar o café da manhã do caçula. Abriu a embalagem, rompeu o lacre que..não abriu, só rompeu. Soltou uma praga e pegou a faca pra abrir aquela porcaria. Cortou o dedo e correu pegar o curativo. Botou o leite pra ferver, acordou o pirralho, colocou a mesa. Despachou o guri pra escola. Ufa!!!
Vestiu-se, deu um trato rapidinho no cabelo e, agora,era só andar dois quarteirões e pegar a carona com o Fernandinho. Era o dia dele. Tinha até aproveitado pra deixar o carro na revisão. Tocou o celular:
- Lena? Puxa, esqueci de te avisar, hoje não vou trabalhar..Na verdade, não avisei ninguém, he,he....Desculpa,aí....
Mais três colegas deviam estar xingando o Fernandinho agora!
Ai, meu saaaaaaaco!!! Correu pro ponto de ônibus, sem muita esperança. Morava a uma distância ingrata do trabalho. Nem tão perto que desse pra ir andando, nem tão longe que desse pra entrar no ônibus. Quando o coletivo passava pela sua região já estava lotado, com gente pendurada na porta, duvidou, saindo pela janela!
Dito e feito! Correu, então, pro ponto de táxi. Vou morrer numa grana, fazer o quê?? Pelo menos não chego atrasada, no ponto sempre tá cheio de ...vento!!! Cadê o táxi???
Esperou uns vinte minutos até que apareceu um carro branco que mais lhe parecia a carruagem encantada da Cinderela. Graças a Deus!
O motorista pegou a Marginal (reze,reze,reze!!!) e tava até indo bem quando - mais uma carreta quebrada ou tombada ou o que seja - tuuuuuuudo parado!!
O motorista sugeriu um caminho alternativo que ele conhecia muito bem...Suspiro. A corrida ia ficar mais cara...Que seja!
Entra em ruazinha, sai de ruazinha, entra em outra ruazinha...Ali a gente pega a avenida e .....xiiiiii...tá interditado.....
Mas, heim, o quê???????
Manifestação sabe-se lá do que.
Entrar em pânico ou seguir o conselho da Marta?
Resolveu meditar....Fechou os olhos e desejou viver numa ilha deserta....
Quando chegou ao prédio da empresa correu pro elevador que ficava no fundo do corredor, porque o outro tava quebrado. Já ia apertando o botão de subir....EM MANUTENÇÃO. USE A ESCADA.
Um soco no estômago doeria menos...
Finalmente, chegou ao seu cubículo. Descabelada, suada,
esbaforida, desgrenhada, uma zumbimumiaparalitica. Desabou na cadeira. Nove... e oito.
Adolf, seu chefe, passou por ela:
- Ta atrasada heim,"dona maria"...Precisa acordar mais cedo!
Grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
He,he..É complicado, estressante e blá,blá,blá...Mas eu AMO esta cidade, fazer o quê?
Parabéns, São Paulo! Não deixo de apontar os seus problemas mas também morro de orgulho de sua grandeza. Posso andar o mundo todo mas é aqui que me sinto em casa...
***
sábado, 22 de janeiro de 2011
Nascidos um para o outro...
Ela queria uma ultramoderna máquina de lavar louças. Ele não queria comprar embora tivesse o dinheiro. Gostava da sensação de poder que a posição de provedor lhe garantia. Ela, então, fez uso das armas que conhecia. Greve de sexo.
Disse ao marido, claramente: não dou prá você enquanto você não me der.
Depois de um tempo desse joguinho de gato e rato, ele cedeu. Já havia se divertido o suficiente. E ela, claro, sentiu-se vitoriosa.
Saindo do shopping, satisfeitos com a nova aquisição, presenciaram nas proximidades do estacionamento, uma briga entre um cafetão e sua prostituta.
Afastaram-se cheios de nojo.
Mas que gentinha, né amor?
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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Ai, meus cabelos!
Lembra dos topetões dos anos oitenta? Os homens usavam aquele famoso corte "mullet" que, aqui no Brasil, foi imortalizado pela dupla Chitãozinho e Xororó. Aquele topete arrepiado na frente e o rabicho atrás. É, era meio ridículo mas até que no MacGyver ficava bem...
As meninas usavam aqueles cabelões armados e, pesquisando pra escrever esta crônica, descobri que o corte da Jennifer Beals em Flashdance, por exemplo, era chamado de poodle. Corte poodle. E, com todas as suas variações, eram cabelões enormes, altos, cheios de cachos e cachinhos.
Agora imagine uma moçoila de cabelos lisos-chapinha, escorridos e murchos. Imaginou? Pois é, era eu. Praticamente um shih tzu...depois
da chuva.
Ô frustração! Eu vivia encaracolando meu cabelo. Permanente,
fiz umas três. Coisa horrorosa! O cabelo ficava queimado, eriçado e...murcho. Se enrolava com bob levava uns... dez minutos para os cachinhos começarem a "escorrer".
Não tinha jeito, meus cabelos eram rebeldes à sua maneira.
No cachos, baby!
Aos quinze anos fui convidada para uma festa de debutantes,
aquela com quinze meninas segurando uma vela coisa e tal. E eu queria porque queria entopetar meu cabelo. Eu não ia ser a única escorrida da festa, bolas!
Minha mãe, já cansada dos meus chiliques diante do espelho, resolveu testar uma antiga receita que , com ela, outra escorrida, dava certo.
No dia da festa ela me apareceu com uma garrafa de cerveja. Mãe, que que ce vai fazer com esse troço?? Vou enrolar o teu cabelo com cerveja. Hein???
Ela me explicou que cerveja era um ótimo fixador. Fiquei muuuito desconfiada daquele negócio. Mas, mãe é mãe, né! Quer sempre o melhor para os rebentos, então, resolvi arriscar, confiando na palavra da mami.
Ela foi enrolando, mecha por mecha, e aquele cheiro de cerveja. Ai,ai,ai...esse negócio tá fedendo, mãe! O cheiro some, menina! Fica quieta!
O fato é que o cabelo armou. Muito. Duro. Muito duro. Parecia um ser idependente sobre a minha cabeça. E com vontade própria.
Bom, eu parecia uma...brôa de milho. Mas ficou liiindo, super na moda. E eu fui, toda prosa, com a minha brôa sobre a cabeça. E veja só, durou quase a noite toda!
Pois é, a cerveja funciona mesmo! Mas hoje em dia, eu prefiro mesmo é bebê-la ...moderadamente....
Ah, o que a gente não faz pelos cabelos. Ou contra eles!
***
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
Pink Floyd e o morcego da dona Lina
The dark side of the moon.Que disco! Uma baita viagem,sem ácido.Eu,pelo menos,nunca precisei. Basta aquele solo de guitarra na faixa Time,é o suficiente pra me transportar para outras dimensões. E foi justamente ouvindo Time que voltei no tempo.Lá para os anos setenta,tempos de colégio.
Estudei por dez anos numa escola pública,um prédio enorme,parecia um museu. Tinha umas escadarias de madeira escura que rangiam quando a gente corria por elas,porões sinistros nos quais a gente se escondia pra matar aula.
Não sou muito saudosista mas, às vezes, é bom relembrar aqueles tempos.
Tempos de descobertas,deliciosa e complicada adolescência. Eu estudava no período da tarde,só meninas. Sim! Os garotos estudavam de manhã e à noite a turma era mista. Pode até parecer chato mas a gente fazia o diabo a quatro pra encontrar com os meninos. Uma das estratégias era deixar bilhetinhos na carteira,bem escondidos.Daí, no dia seguinte,se a turma da noite não achasse, o garoto que sentava no mesmo lugar pegava o bilhete,respondia e o deixava onde encontrou. Aí era só marcar o encontro,no cinema da esquina, na galeria na outra esquina ou até no pátio da igreja que ficava na mesma rua do colégio.
E tome bailinho de garagem com uma programação pra lá de eclética.De Abba a Led Zeppelin,de Raulzito a Bee Gees,muita black music,funk ,muito rock e por aí vai.
Curiosas as conexões que a nossa mente faz. Ouvir Pink Floyd me levou de volta aos bailes e festinhas,estes ao colégio,aos colegas e,finalmente,aos professores. Alguns deles,verdadeiros ícones.Gente que ajudou a moldar meu caráter. Personagens fascinantes como minha professora de canto e música. Suas aulas eram pra lá de divertidas. E ela era uma figura ímpar. Só vestia tailleur,
elegantérrima! E o seu cabelo era bem alto (muito alto!) e loiríssimo! Pensando bem,era uma mistura de Coco Chanel com Hebe Camargo. Chanel pela elegância com que se vestia e se portava e Hebe pelo cabelo e pela alegria. Eu gostava demais dela.
A professora que mais me marcou naqueles tempos foi Dona Lina. Lecionava Ciências. Uma loirinha,baixinha,cheia de energia! Dona Lina não gostava de ficar só na teoria,adorava uma experiência. Fizemos mais experiências do que o Dexter, aquele do laboratório. Dissecar bichinhos era sua paixão e nosso terror.
Lembro-me de um dia em que estávamos tendo aula de matemática com a professora Milka,quando um morcego achou de passear pelos corredores em plena luz do dia. Havia morcegos no prédio da escola e na igreja também. Os professores se trancaram nas salas com seus alunos,todos apavorados. Menos uma certa baixinha que, com a ajuda de alguns alunos corajosos, saíu à caça do pobre morcego,que acabou dissecado no laboratório!
Tenho boas lembranças dos meus professores.Gostaria de reencontrar alguns deles,saber como estão,contar da minha vida. Queria,sobretudo,agradecer. Quem sabe ? Talvez a vida ainda me faça essa surpresa!
E se alguém aí,por acaso,topar com uma senhorinha beirando os oitenta anos caçando o Conde Drácula...é a Dona Lina!
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