"O maior prazer de um homem inteligente é bancar o idiota diante de um idiota que banca o inteligente"



Confucio



sábado, 18 de junho de 2011

Por uma boa causa


Entrou correndo pela rua estreita e mal iluminada. Escondeu-se atrás de uma caçamba cheia de entulhos. Não conseguia respirar direito,não só pelo esforço de estar correndo já algum tempo, mas também pelo pavor de ser pego. Ofegante,olhou para todos os lados procurando pelas malditas câmeras. Estavam em toda parte. Trazia o pequeno pacote no bolso interno da jaqueta. Poderia livrar-se dele,deveria! Mas foi tão difícil conseguir! Arriscou-se tanto e custou tão caro! E como o queria, precisava!
Não, decididamente não iria se desfazer de seu precioso pacote. Não chegara a tanto por nada! Esperou alguns minutos no mais absoluto silêncio, os sentidos aguçados. Aparentemente,havia escapado. Observou atentamente todos os pontos onde poderiam haver câmeras de vigilância. Logo localizou duas delas. Uma não se movia,provavelmente quebrada. A outra girava lentamente,ameaçadora. Aninhou-se ainda mais entre a parede e a caçamba que estava sobre a estreita calçada. Finalmente,sentiu-se seguro.
Com as mãos trêmulas pegou o pacote, cheirou-o,ávido por abri-lo. Mas uma luz intensa o cegou, não teve tempo de assimilar o que acontecia.
Seu corpo foi despachado para a família no dia seguinte.
O policial que o matou anexou às provas, o fatídico pacote. Um saquinho de jujubas. Coloridas.
Este era o preço que pagavam aqueles que infringiam a Lei Antidoces, implantada para baratear os custos do Estado com tratamentos dentários.
Morreu com cinco balas no peito e nenhuma cárie na boca.

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ando farta de tanta patrulha.


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segunda-feira, 6 de junho de 2011

E o E.T. virou poeta...


Como a maioria dos alienígenas, eram todos absolutamente iguais. Ariovaldo não aguentava mais tanta monotonia. Não apenas a monotonia de olhar para a mesma cara todos os dias diante do espelho mas a mesmice de olhar para a mesma cara no trabalho, na escola, na balada, na vizinhança, no planeta todo! Haja imaginação para elogiar os olhos da amada, tão enormes e esbugalhados quanto todos os outros. E da mesma cor.
É, o Ariovaldo tava jururu. Sua mãe nem ligava. De tempos em tempos um desses jovens sempre questionava o porquê de serem concebidos assim, iguaizinhos. Eram assim há milênios, frutos de uma geração ideal, criada em laboratório após extensas pesquisas e experimentos genéticos. Chegaram, pois, ao apogeu de civilização. Todos iguais. Iguais, mesmo.
Ariovaldo, largadão no sofá da sala, resolveu encontrar com a galera pra animar um pouquinho. Digitou o código no seu desmaterializador de pulso e materializou-se na casa do avô...De novo!
- Você não vinha pra cá, vinha?
- Claro que vinha, vô! E aí? - disfarçando.
- Vinha nada! - resmungou o velho - Essa merda aí pifou de novo, não foi? É o que eu digo! No meu tempo não era assim. A boa e velha cabina de teletransporte é que era boa! Podia demorar dois décimos de segundo a mais mas o destino era certo! Essas invencionices...
Ariovaldo olhou pra cima louco pra sumir dali:
- Valeu vô, to indo, tenho que estudar pra uma prova aí - e se mandou pra casa.
"Entediado" - publicou no seu microblog. Suspiro.
Resolveu fazer umas visitas virtuais. Deu uma espiadinha nos severianos, habitantes do planeta vizinho. Que sorte tinham! Seus olhos tinham cores diferentes, variavam do amarelo ao mostarda. Entrou, bateu um papinho com o Fernandinho, seu amigo inter cambista de idos tempos. Saiu, tédio de novo. Então, viu lá no menu de opções um planetinha azul, recém descoberto, que ninguém dava bola`. Pensou o quê poderia ter de interessante num lugar tão pequeno e distante. Os Senhores diziam que fazia parte dos planetas nanicos. Em tamanho e civilidade. E que não valeria à pena conhecê-lo. Logo o deletariam, aliás...
Resolveu xeretar. Se fosse legal entraria pra conhecer o pessoal.
Mas às primeiras imagens que surgiram em frações de segundos,
Ariovaldo esbugalhou ainda mais os olhos! O que era aquilo? Um verde interminável, ponteado de um colorido impressionante com criaturas voando, ainda mais coloridas e emitindo um som maravilhoso. Seu coração começou a bater mais forte. Pensou se eram esses os habitantes do planetinha,  mas viu muitas outras criaturas totalmente diferentes! Cara, não acredito!
Excitadíssimo, continuou freneticamente sua exploração virtual. Viu, então, uma praia. Seu coração, aí sim, quase saiu pela boca. O que eram aquelas criaturas? Pareciam ter pernas e braços como ele. Mas eram únicas! Não havia uma sequer igual à outra. E algumas delas, caramba! .Algumas eram lindas, com umas curvas, uma cor dourada. O Ariovaldo pirou o cabeção!
Tomou coragem e entrou. Seu materializador o deixou invisível por questão de segurança. Caminhou completamente pasmo entre aqueles seres absolutamente incríveis. Não cansava de se maravilhar, quase bateu o cabeção num poste, extasiado com uma morena escultural. Em que ano estelar estaria? Perguntou ao XPO, seu tradutor universal de pulso.  No calendário local você está em 1962, disse o XPO,  e esse lugar aí é uma tal de "Praia de Ipanema".
Ipanema, murmurou suspirando o Ariovaldo, que também estava inaudível. Resolveu se enturmar. Ainda bem que tinha aquele opcional no XPO para assumir a forma dos habitantes dos locais visitados. Custou uma puta grana mas finalmente ia valer à pena.
Transformou-se num garotão de bermuda e camisa florida. O XPO disse que era o disfarce perfeito.
Viu um sujeito simpático, sozinho, numa mesa de bar. Pediu para o XPO traduzir os caracteres escritos na fachada. "Bar Veloso".
Entrou e sentou-se abruptamente à frente do homem e disse, mecanicamente:
- Oi, eu sou Ariovaldo!
O homem, no início um pouco assustado, acabou rindo e respondeu no mesmo tom:
- E eu sou Vinícius!
- Vinícius! E aí, véio? - com o sorriso mais idiota do mundo.
- Você é paulista, né? - disse o homem com cara de piedade.
O Ariovaldo achou melhor não contrariar:
- Ah, claro!
- Logo vi...
O Ariovaldo ficou horas conversando com o sujeito simpático que, de vez em quando, fazia aquela cara de piedade quando olhava pra ele. Ficou encantado com as histórias que o homem, pacientemente, lhe contava sobre aquela praia, aquela cidade que ele chamava Maravilhosa.
- Menino, parece até que você veio de outro planeta! O Rio é a Cidade Maravilhosa!
- Maravilhosa é pouco - disse o Ariovaldo olhando pra uma garota em um duas-peças que passava lá na calçada.
- É garoto, beleza é fundamental.
Ariovaldo lhe contou sobre a Lindalva, sua namorada. Disse-lhe que gostava dela mas que a parada tava meio devagar, quase parando. O tal Vinícius, então, lhe deu uma aula de sedução e poesia. Falou da paixão e de sua devoção às mulheres. Ariovaldo ouvia e se extasiava, nunca havia se sentido assim. Que lugar era aquele?
Estava super empolgado com a conversa quando viu uma criatura que lhe pareceu etérea. Linda! Aquilo que pendia de sua cabecinha, e que descobriu chamar-se cabelo, brilhava sob o sol, balançando ao balanço do andar. Era toda beleza e encanto. Coisa mais linda, mais cheia de graça…
Ariovaldo, emudecido e arregalado, só faltou começar a babar. O poeta, intrigado, olhou na mesma direção que ele:
- Rapaz, que coisa mais linda! Como é que nunca reparei nela? - e voltando-se para Ariovaldo - Faz dela a tua musa.
- Hein? - ainda abobado - musa?
Mas aí Ariovaldo sentiu uma súbita e deliciosa saudade da Lindalva. Despediu-se do poeta com um caloroso abraço. E resolveu ir direto pra casa dela.
Surpreendeu-a em seu quarto. Ela estava na varanda, olhando as luas gêmeas. Virou-se para ele e fitou-o com ternura, sorrindo. Ele, então, percebeu que aquele par de olhos, apesar de igual a todos os outros, era único...
E lá naquele distante planetinha azul, o poeta tomava para si a musa que fora de Ariovaldo.





Imagem: Bar Veloso. Ipanema.
Fonte: Site PierdeIpanema.com




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sábado, 4 de junho de 2011

E naquele seminário de autoajuda...







- Sim, minha gente! O nosso destino, nós traçamos!! Não permitam, meus amigos, que ninguém, ninguém mesmo se interponha entre vocês e seus sonhos!! Obrigado, obrigado!! A senhora de vermelho, aí na segunda fila…Sim, a senhora (tão simpática!) Qual o seu nome, minha senhora?
- Ah…Cotinha…
- Dona Cotinha! Que simpatia!
-…brigada…
- Dona Cotinha, responda sinceramente. Quem controla a sua vida?
- Bom, meu filho, depois de oito partos naturais, é a minha bexiga mesmo...



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